A vitória de Lula, o pós-eleições e a tragédia à vista.

O último processo eleitoral foi inquietante para todos, mas, em específico, para todos aqueles que anseiam desesperadamente pelos ventos da mudança. Não para aqueles que querem repetir uma experiência falida do passado ou reviver os últimos quatro anos de desespero, mas para aqueles que tem vivido na necessidade, na incerteza, na busca contínua de uma realidade digna.

Chamamos o voto nulo, mesmo conscientes de que um candidato iria levar a vitória. Fizemos isso com intuito de incentivar a crítica a ambos os governos apoiadores da burguesia, fizemos isso como sinal de insatisfação e revolta contra tudo o que fazem e tudo que não fazem pelos trabalhadores.

Dito isto, o ganhador desse playground eleitoral foi Luiz Inácio Lula da Silva, o grande orador que conquistou as classes mais baixas, que um dia, foi parte orgânica delas; mas que hoje é apenas mais um dos punhos que as esmagam. A partir desse resultado da democracia burguesa, como já se esperava em qualquer resultado, ocorre um descontentamento de parte da população, nesse caso, dos bolsonaristas, que se sentem traídos pelo processo eleitoral e insistem em confrontar o sistema e defender Bolsonaro, exigindo intervenção militar, reflexo de um governo recém passado, autoritário e reacionário e de uma memória nostálgica dos tempos de ditadura.

Na noite do dia de segunda feira (31/10) se iniciaram bloqueios nas estradas, começando por São Paulo, na cidade de Guarulhos, trancando o fluxo do aeroporto e depois, a obstrução de duas rodovias importantes, Castello Branco e Régis Bittencourt, por onde passam, além da população no geral, muitos caminhoneiros a caminho de entregas. A ação direta desses manifestantes – inclusive alguns poucos caminhoneiros - se estendeu para outros estados, sendo Rondônia o que sofreu mais interdições e os mais afetados foram Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Pará, faltando abastecimento em mais da metade dos supermercados e até falta de alguns produtos. A análise de que empresários incentivam e sustentam estes protestos nada deve indicar, tendo em vista que o golpe de Pinochet no Chile foi produzido assim.

Enfim, nota-se como os métodos de luta do proletariado - greves, manifestações, bloqueios – são eficazes, esse movimento concreto afetou incisivamente a economia, - tanto que fez com que o próprio presidente censurasse a ação de seus apoiadores a fim de conter os danos e o descontentamento da burguesia - e a longo prazo a subsistência das pessoas e dos locais que dependem dos insumos e produtos barrados nas estradas. Não podemos ignorar o potencial dessas iniciativas, ainda que movidas por um objetivo ilusório de um governo “menos” corrupto, mais conservador que o eleito e que irão falhar pelo fato de que Bolsonaro não tem base econômica ou política para um golpe, se assim o fosse, ele teria feito sem mesmo o pedido de seus eleitores.

Nos últimos dias tem se visto também uma onda de manifestações bolsonaristas em resposta às urnas, contrariando o pensamento daqueles que buscavam frear o bolsonarismo, que agora, independe da figura de Bolsonaro estar na presidência ou não, é uma posição que contagiou parte das massas e da pequena-burguesia, fortalecendo o espírito nacionalista e incentivando a movimentação desses apoiadores utilizando os métodos de luta da classe e atos festivos.

Em Porto Alegre em frente ao quartel-general do Comando Militar do Sul (CMS) com carros de som, hinos, faixas e pedido de intervenção das forças armadas; também no Parcão, zona nobre da capital gaúcha, em prol das medidas de Bolsonaro como pacote anticrime e porte de armas. Nestas manifestações é possível ver mais o “Brazil” do que o “Brasil”, uma contradição em termos com o patriotismo exposto pelos bolsonaristas – bem como diversas frases escritas em inglês ("Help FF AA", "Against Dictatorship of STF" etc). A curiosidade, no entanto, é que o Império Estado-unidense, regido pelo já oitentista Biden, não quer afetar a economia global com golpes tupiniquins em repúblicas de bananas em um momento em que não há conjuntura para isto.

Reforçamos: no momento.

O comunismo temido pelos bolsonaristas em Porto Alegre, 6 de novembro.

É diante desse cenário que a vanguarda da classe é obrigada a se erguer e chamar os trabalhadores, bem como os seus órgãos de luta, até mesmo a militância petista paralisada pela burocracia do PT, para organizar a autodefesa. A vanguarda precisa ser o alicate vermelho – instrumento libertador - no emaranhado de fios cinzentos em que se apresenta a luta de classes. Os operários, os camponeses, as classes médias e baixas, o exército do proletariado têm que se organizar pelas suas reivindicações em comum – empregos, salários, saúde, segurança, alimento – e colocar abaixo este sistema de espoliação, rumo a um futuro em que não se tem que pedir o mínimo.

Para isto, portanto, é necessário romper uma série de ilusões que se mostraram neste período eleitoral mais fortes do que nunca. A apatia e a desorganização não serão capazes de nos retirar de nenhuma corrente, pior, tornarão ela perene.

Erramos, portanto, ao analisarmos anteriormente que os votos nulos seriam os maiores desde 1989 ou 1994. Infelizmente, a crença de que o sistema eleitoral (votar no seu candidato X ou Y) pode resolver minimamente os problemas do grosso da população trabalhadora se faz bem presente. Sendo a menor desde 1994 (4,06%), em 2022 (segundo turno) os votos brancos/nulos foram apenas de 4,41% segundo o desmoralizado TSE. O que isto indica? Por um lado, que a eleição mais polarizada da história do Brasil até aqui fez com que uns votassem em Lula não querendo Bolsonaro e outros votando em Bolsonaro, evidentemente, não querendo Lula. É preciso observar que a compra de votos feita pelo bolsonarismo, bem como uma espécie de coerção armada, não são novidades na República de 1988. Assim como as Fake News, em menor número utilizadas por Dilma, não foram inventadas pelo bolsonarismo, pelo contrário, foram armas que foram se somando ao seu arsenal com o passar dos anos. A ideia de que a derrota de Haddad em 2018 levaria o Brasil a uma ditadura onde os LGBTS e negros seriam assassinados, não passou de fantasia à medida em que isto é uma política de Estado no Brasil desde que este país foi invadido pelos portugueses no século XVI. Ou seja, uma coerção light.

Saudação nazista feita em protesto bolsonarista em SC.

A ideia de que o bolsonarismo representa uma força obscura, negacionista e protofascista não é falsa – o problema principal reside no fato de que a cúpula petista se utiliza dessa retórica para (com perdão da ironia) “passar a boiada”. Isto é, tornar os seus interesses impassíveis de críticas. O bolsonarismo faz algo semelhante com o lulismo, pois estes dois monstros gigantescos chamados lulismo e bolsonarismo, alimentam-se da esperança não apenas de setores expressivos da classe trabalhadora, mas de sua vanguarda – e pasmem! – até mesmo da burguesia, que se mantém fracionada em qual setor apoiar, ainda que a sua parte mais importante penda para o lulismo. Ou seja, se coloque no lado daquele que mais traz calma ao mercado financeiro e a todos os setores que o circundam.

O que esperar do novo governo Lula? Há duas opções, aparentemente. Uma de caos e conflito, a mais provável e uma de estabilidade, mais improvável. Longe do delírio de grupos feministas e movimentos sociais mais radicalizados que deram algum apoio ao governo que fora eleito, pouco importa o que Lula quer. Importa o que o capital quer e o que irá acontecer com a conjuntura internacional econômica.

No passado o Partido dos Trabalhadores sequestrou uma enorme parcela da intelectualidade brasileira (Florestan Fernandes, Mário Andrade e até o idealista Paulo Freire) e da classe trabalhadora, desta última, ainda mantém organicamente alguns fragmentos. O importante é perceber que sequestrou os melhores (grevistas, ativos, conscientes etc.) apenas para vomitá-los no colo de uma direita histérica que hoje ameaça a normalidade institucional para um sentido muito, muito negativo.

De 2002 a 2015, anos de normalidade para os governos petistas, a classe camponesa foi a mais esquecida de todas. Longe dos delírios bolsonaristas de invasores de fazenda, quem invadiu terras produtivas para transformá-las em desertos monocromáticos foi o agronegócio. Os sindicalistas, pelo contrário, foram amplamente favorecidos. Segundo o [reformista forte] Ruy Braga o primeiro governo Lula preencheu 1.305 vagas com sindicalistas que passaram a controlar um orçamento gordo de “somente” 200 bilhões de reais. O clubinho destes elementos se fechou ao ponto de criarem instituições de previdência privada para os associados, principalmente para CUT, CGT e Força Sindical. A tentativa de pacificar o mundo do capital e do trabalho, segundo Marx e a Nova Gazeta Renana, impossível de ser feito desde as revoluções nacionais de 1848, gerou uma bomba-relógio, com data a ainda explodir, que ninguém sabe onde e quando, somente que vai explodir.

Como a massa trabalhadora não iria odiar estes gordos burocratas que vendem os seus direitos no balcão de negócios sindicais? Virou o rosto para isto até o ponto em que a economia ia bem, passou a ver todas essas contradições, no entanto, a partir do momento em que a economia no final do primeiro mandato Dilma virou.

A narrativa de que houve um golpe em 2016 contra um governo que virava de um “reformismo” para um “nacionalismo desenvolvimentista” só é aceitável para quem acredita que, de alguma forma ou outra, o petismo foi um empecilho para o capital. Não podemos entender brigas interburguesas como golpes, ou entendemos tudo ou não entendemos nada.

Post em grupos bolsonaristas que indicam que Lula fecharia o regime - desejo agora, dos bolsonaristas.

Há motivos econômicos para que hoje, ao final do ano de 2022, muitos empresários bolsonaristas estejam desesperados para que >qualquer coisa ocorra<, não querem ser substituídos pelas “feministas” como Djamila ou Tiburi, professores universitários e economistas de alto calibre no alto escalão do Estado novamente. Importante notar que o apoio de setores da sociedade (universitários, professores, escritores, artistas etc.) não foi ao 13 simplesmente por uma questão de consciência democrática ou humanista (é a base material que precede a consciência, ora ora), mas porque veem ganhos reais em um novo governo Lula. O que quer a vanguarda do proletariado e da pequena-burguesia que vota em Lula? Sair do desemprego, do arrocho salarial, da ausência de desemprego. Que estupidez! Não são presidentes que moldam o sistema capitalista, é o sistema capitalista que moldam-nos.

Agora, esperemos o fim oficial do PSOL, que já morreu há anos, mas que por motivos eleitorais ainda não foi enterrado. Esperemos a morte trágica e lenta do PSTU, que sem fundos eleitorais e com a volta do PT com força aos sindicatos, perderá os seus privilégios (como sedes, editoras etc). E esperemos, de novo, uma reorganização muito forte de forças obscuras de direita, que com a possibilidade de um fracasso governista de Lula, irá se desenvolver como um monstro. Esperemos também, a cara de palhaço de todos os que, apesar de compreender tudo isto o que é dito, puxaram um voto crítico – ou não – em Lula. Na esperança.. de nada.

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