Eleições 2022
[as opiniões emitidas neste texto são passíveis de críticas e nunca frutos do comodismo]
“Nenhuma ameaça das fascistas russos em relação ao Congresso
causará tanto prejuízo quanto a corrupção da consciência das massas que
acompanhem cegamente a burguesia liberal, as suas palavras de ordem, as suas
candidaturas, a sua política.”
Lenin, 1906.
As eleições podem e devem ser disputadas pelos marxistas. Aqueles que são os primeiros a dizer que na época de Marx e Lenin era
diferente, isto é, que hoje a revolução não é o caminho, mas a luta por etapas
inferiores até a etapa superior, são também os primeiros a não enxergar o
quanto as eleições mudaram. Isto é, com o perdão da redundância, aburguesaram-se.
Não temos conhecimento de que nas disputas dos bolcheviques nas Dumas czaristas - a ditadura mais sombria da industrializada Europa até então - a liberdade de
participação eleitoral era maior. Não havia falsos padres ortodoxos, falsos
comunistas e falsos social-democratas. Não havia Fundo Eleitoral e a participação
registrada não significava vender a alma de uma organização partidária. Isso se
deve, é claro, ao aperfeiçoamento da burguesia perante ao próprio jogo: eleições no capitalismo.
Algumas estimativas podem ser feitas sobre o dia 2 de outubro
de 2022 aos brasileiros.. A primeira delas é que há uma tendência para o
voto nulo ser maior do que em todas as eleições presidenciais anteriores: em
2018, 7.2 milhões anularam (7.4%); em 2014, 4.6%; em 2010, 4.4% - nos segundos
turnos. Mesmo com uma gama grande de candidatos para cada cargo, os mais diferenciáveis
são justamente os mais desconhecidos, uma questão de dinheiro, pois apenas os
dois partidos que mais abocanharam grana do “Fundão” eleitoral, superam em
reais mais do que o dobro de euros que o PSG fez com Messi. É batido dizer o
que poderia ser construído com este dinheiro jogado fora para um circo, que ao
contrário de palhaços e elefantes fantasiados, temos malucos, feministas ricas
e padres de carnaval.
Outra questão, no campo da “esquerda ideológica”, que não
poder ser chamada de revolucionária, mas de centrista e stalinista (PSTU e
UP/PCB respectivamente), é que sem o PSOL no páreo, o PSTU, seção brasileira da
LIT, ganhará poucos votos para Vera Lúcia. Sendo longe do que esperava, e mesmo
com o apoio do MRT, seção brasileira da FT, UP e PCB, com seus youtubers suspeitos
e superficiais, abocanharão mais votos relativos a uma popularidade vazia que sempre buscaram. Por isto, se o quase-trotskista PSTU dava
a expressão de uma pequena parcela de votos radicalizados, o corte racista e
burguês de Vera dos debates presidenciais – que também atingiu o stalinismo fora do PT - e
a poderosa máquina de propaganda de UP e PCB nas redes, cortaram quaisquer
chances de voo. Vera dificilmente passará dos 2%, talvez Sofia do PCB ou
Péricles da UP, sim. Até aqui, portanto, não é possível enxergar uma vitória
material da classe trabalhadora em qualquer cenário. Sequer também, a
efetivação de uma construção revolucionária de um partido operário.
O POR, seção brasileira da CERQUI, como de costume chamou
uma interessante e bem fundamentada campanha de voto nulo pela construção de um
partido revolucionário. Não explicou, no entanto, os motivos coerentes para não votar nos
centristas do PSTU e do Polo Revolucionário (MRT, ilegais escondidos da CST e
independentes destes). Se a Transição Socialista, com seus principais quadros
se aventurando no exterior, chama um sempre infecundo apoio ao PSTU nas
eleições, o POR faz o mesmo no voto nulo. Esquecendo-se, sempre, que possui os
mesmos vícios dos morenistas [“estatizações já!”] e [“somos o único partido
revolucionário brasileiro, a revolução passará por nós”], negando o que Guillermo
Lora falava sobre “partido potencialmente revolucionário” e “efetivamente”.
Grande parte dos "anarquistas" do país, inseridos em uma linha
política de esquerda que possui como princípio estratégico o voto nulo, votam
em Lula. A contradição só é explicada pela inexistência de um movimento
anarquista real no país, que sofre uma pressão absurda do setor de classe a que
pertence física e ideologicamente. Com a crise capitalista de 2008-2012, que
ainda não terminou e nem dá indícios de terminar, o cosplay de anarquista
rebelde mudou para o petista convicto em setores médios e altos do
proletariado.
Os maoístas-gonzalistas da Nova Democracia e da LCP, Liga
dos Camponeses Pobres (uma versão do MST sem ações no mercado capitalista),
foram igualmente críticos como o POR, a TS e o MRS. Por sua experiência,
lembraram que para as principais candidaturas vistas na tv, o latifúndio é
sagrado e disputam para ver quem mente mais: Bolsonaro diz ter instaurado a paz
no campo, Lula também. Como na matemática básica, o numerador fica em cima do
denominador, é uma regra do jogo, não se muda por vontade do estudante. Na política
burguesa, não vence aquele que tem melhores ideias, mas aquele que tem mais
dinheiro, isto é, o camponês nunca é o numerador em latifúndio. Conservando-se
esta estrutura nas partes mais atrasadas do país, o que lhe resta é obedecer ou
morrer.
Dito isto sobre os coadjuvantes mais respeitáveis, a
vitória de Luiz Inácio só pode ser adiada até um segundo turno, mas não perdida
a esta altura do campeonato. Nada indica que a regra do jogo vai ser mudada, não há correlação de forças para isto (usando um termo que os reformistas adoram). E assim, a interessante perspectiva de ver um envergonhado
PSTU chamando um voto crítico em Lula no segundo turno pela segunda vez seguida deve ficar para depois. E
os mais de 50% do petista, com uma pequena-burguesia em pânico pelos reflexos
de uma economia que não cresce e de uma classe operária terceirizada e sem
direção, devem dar a ele uma extrema capacidade de fazer o que bem entender sem
ser criticado por ninguém.
Já vimos um filme semelhante, mas menos dramático, entre
2013 e 2014. Dilma não aproveitou o calor das ruas, e nem poderia, fazendo um segundo
mandato ainda mais à direita que o seu primeiro e dando um pontapé inicial no
fortalecimento do bolsonarismo. Se este se fortalecerá com um governo petista,
ou se algo pior virá substituí-lo, ninguém quer pagar para ver. Disto isto, é igualmente patético o argumento de quem vota em Lula, para quem não vota, de que "é fazer o jogo do bolsonarismo de quanto pior melhor". Quem disse que com Lula será melhor para os trabalhadores? No entanto, não há pressa quanto a isto, os anos que virão serão mais uma vez o veredito da história.
Enquanto isto, fala-se em esperança nos setores mais abastados dos
trabalhadores, na nossa nojenta e sectária artistocracia operária, mas que
esperança é esta? O menino dos olhos de ouro da outrora caquética burguesia
paulista, Geraldinho, é apenas a ponta deste iceberg grotesco que está por vir.
Como reconheceu uma candidata transsexual do PSOL em Porto Alegre, nos seus tempos de
PT, a massa era vista apenas como isto, <<massa>> de manobra. Isto
foi visto nesta mesma cidade quando o prefeito Sebastião Melo decidiu, com base
nas mais atualizadas leis burguesas, suspender o passe-livre dos ônibus da
capital gaúcha para que os setores mais pobres da classe trabalhadora não
fossem votar. O principal candidato da “oposição” na região, Matheus Gomes, cria
do PSTU, jamais pensou em chamar uma rebelião ao estilo Chile, e usou todas as instâncias
possíveis e imagináveis do corpus jurídico do Estado burguês para garantir a votação
dos mais pobres no seu futuro carrasco. Nem sequer passa pela cabeça o que, certamente,
seria entendido como um extremo sectarismo "propor" medidas como pular catracas e
o não pagamento coletivo de um transporte que já perdeu cobradores, a
sociabilidade e só restou as rodas.
Aqui estamos. Para onde iremos dependerá sobretudo do que
iremos fazer com a desilusão massiva dos que hoje são os mais desesperados e
críticos eleitores de Lula. Os tempos áureos e dourados que o ex-operário
propaga aos 28 cantos do país, são tão idealistas quanto o Brasil que “tem
melhorado” e “sem corrupção” de Bolsonaro. Um chute mais ousado sobre o futuro,
mas alicerçado em bases materiais da realidade, é que Bolsonaro e Lula não
surpreenderiam os mais avisados se estivessem nas mesmas chapas eleitorais. Lula
e Alckmin não surpreenderam-nos. Os bolsonaritas mais importantes, como
Weintraub e Alexandre Frota, já são “Lula lá”.
Mas e a educação? E os direitos trabalhistas? E a luta contra o fascismo? São
as mesmas perguntas que fazemos. Porque estas não foram as pautas de nenhum
debate presidencial visto nas grandes emissoras, mas não se enganem sobre isto,
pois esta pauta certamente foi a central entre Lula e empresários de alto
calibre, bem como nas principais salas de negociatas do país. Assim como foram outrora com Bolsonaro, Temer e Dilma.
Aos marxistas, estes incansáveis garimpadores de força histórica, resta mais uma vez a paciência de que os
explorados tirem a lição de mais uma farsa eleitoral, que não caiam no
derrotismo que hoje só não é a maior força além da falsa esperança, ainda que ambas
andem de mãos dadas. E que em um domingo de novas derrotas, saibamos plantar as
nossas vitórias.
Comentários
Postar um comentário