Eleições 2022

 [as opiniões emitidas neste texto são passíveis de críticas e nunca frutos do comodismo]

“Nenhuma ameaça das fascistas russos em relação ao Congresso causará tanto prejuízo quanto a corrupção da consciência das massas que acompanhem cegamente a burguesia liberal, as suas palavras de ordem, as suas candidaturas, a sua política.”
Lenin, 1906.



Horas antes de mais uma eleição, é preciso dizer, sobretudo, que a esperança de um setor muito novo da juventude trabalhadora (que mantém intensas perspectivas em um terceiro governo Lula, o primeiro para eles) vai se despedaçar aos primeiros dias, semanas e meses de governo de conciliação de classes. A sua principal expectativa, de pleno emprego, não será atendida. Vão entender, não nas críticas de alguns poucos revolucionários isolados, mas na prática, o que realmente significa conciliar polos antagônicos da sociedade burguesa: proletariado e burguesia. Pois a luta do primeiro contra o segundo não pode ser conciliada em mesas de negociatas com grandes empresários ou conversas moderadas, como Lula recentemente propôs para resolver o conflito de Putin com a Ucrânia.

As eleições podem e devem ser disputadas pelos marxistas. Aqueles que são os primeiros a dizer que na época de Marx e Lenin era diferente, isto é, que hoje a revolução não é o caminho, mas a luta por etapas inferiores até a etapa superior, são também os primeiros a não enxergar o quanto as eleições mudaram. Isto é, com o perdão da redundância, aburguesaram-se. Não temos conhecimento de que nas disputas dos bolcheviques nas Dumas czaristas - a ditadura mais sombria da industrializada Europa até então - a liberdade de participação eleitoral era maior. Não havia falsos padres ortodoxos, falsos comunistas e falsos social-democratas. Não havia Fundo Eleitoral e a participação registrada não significava vender a alma de uma organização partidária. Isso se deve, é claro, ao aperfeiçoamento da burguesia perante ao próprio jogo: eleições no capitalismo.

Algumas estimativas podem ser feitas sobre o dia 2 de outubro de 2022 aos brasileiros.. A primeira delas é que há uma tendência para o voto nulo ser maior do que em todas as eleições presidenciais anteriores: em 2018, 7.2 milhões anularam (7.4%); em 2014, 4.6%; em 2010, 4.4% - nos segundos turnos. Mesmo com uma gama grande de candidatos para cada cargo, os mais diferenciáveis são justamente os mais desconhecidos, uma questão de dinheiro, pois apenas os dois partidos que mais abocanharam grana do “Fundão” eleitoral, superam em reais mais do que o dobro de euros que o PSG fez com Messi. É batido dizer o que poderia ser construído com este dinheiro jogado fora para um circo, que ao contrário de palhaços e elefantes fantasiados, temos malucos, feministas ricas e padres de carnaval.

Outra questão, no campo da “esquerda ideológica”, que não poder ser chamada de revolucionária, mas de centrista e stalinista (PSTU e UP/PCB respectivamente), é que sem o PSOL no páreo, o PSTU, seção brasileira da LIT, ganhará poucos votos para Vera Lúcia. Sendo longe do que esperava, e mesmo com o apoio do MRT, seção brasileira da FT, UP e PCB, com seus youtubers suspeitos e superficiais, abocanharão mais votos relativos a uma popularidade vazia que sempre buscaram. Por isto, se o quase-trotskista PSTU dava a expressão de uma pequena parcela de votos radicalizados, o corte racista e burguês de Vera dos debates presidenciais – que também atingiu o stalinismo fora do PT - e a poderosa máquina de propaganda de UP e PCB nas redes, cortaram quaisquer chances de voo. Vera dificilmente passará dos 2%, talvez Sofia do PCB ou Péricles da UP, sim. Até aqui, portanto, não é possível enxergar uma vitória material da classe trabalhadora em qualquer cenário. Sequer também, a efetivação de uma construção revolucionária de um partido operário.

O POR, seção brasileira da CERQUI, como de costume chamou uma interessante e bem fundamentada campanha de voto nulo pela construção de um partido revolucionário. Não explicou, no entanto, os motivos coerentes para não votar nos centristas do PSTU e do Polo Revolucionário (MRT, ilegais escondidos da CST e independentes destes). Se a Transição Socialista, com seus principais quadros se aventurando no exterior, chama um sempre infecundo apoio ao PSTU nas eleições, o POR faz o mesmo no voto nulo. Esquecendo-se, sempre, que possui os mesmos vícios dos morenistas [“estatizações já!”] e [“somos o único partido revolucionário brasileiro, a revolução passará por nós”], negando o que Guillermo Lora falava sobre “partido potencialmente revolucionário” e “efetivamente”.

Grande parte dos "anarquistas" do país, inseridos em uma linha política de esquerda que possui como princípio estratégico o voto nulo, votam em Lula. A contradição só é explicada pela inexistência de um movimento anarquista real no país, que sofre uma pressão absurda do setor de classe a que pertence física e ideologicamente. Com a crise capitalista de 2008-2012, que ainda não terminou e nem dá indícios de terminar, o cosplay de anarquista rebelde mudou para o petista convicto em setores médios e altos do proletariado.

Os maoístas-gonzalistas da Nova Democracia e da LCP, Liga dos Camponeses Pobres (uma versão do MST sem ações no mercado capitalista), foram igualmente críticos como o POR, a TS e o MRS. Por sua experiência, lembraram que para as principais candidaturas vistas na tv, o latifúndio é sagrado e disputam para ver quem mente mais: Bolsonaro diz ter instaurado a paz no campo, Lula também. Como na matemática básica, o numerador fica em cima do denominador, é uma regra do jogo, não se muda por vontade do estudante. Na política burguesa, não vence aquele que tem melhores ideias, mas aquele que tem mais dinheiro, isto é, o camponês nunca é o numerador em latifúndio. Conservando-se esta estrutura nas partes mais atrasadas do país, o que lhe resta é obedecer ou morrer.

Dito isto sobre os coadjuvantes mais respeitáveis, a vitória de Luiz Inácio só pode ser adiada até um segundo turno, mas não perdida a esta altura do campeonato. Nada indica que a regra do jogo vai ser mudada, não há correlação de forças para isto (usando um termo que os reformistas adoram). E assim, a interessante perspectiva de ver um envergonhado PSTU chamando um voto crítico em Lula no segundo turno pela segunda vez seguida deve ficar para depois. E os mais de 50% do petista, com uma pequena-burguesia em pânico pelos reflexos de uma economia que não cresce e de uma classe operária terceirizada e sem direção, devem dar a ele uma extrema capacidade de fazer o que bem entender sem ser criticado por ninguém.

Já vimos um filme semelhante, mas menos dramático, entre 2013 e 2014. Dilma não aproveitou o calor das ruas, e nem poderia, fazendo um segundo mandato ainda mais à direita que o seu primeiro e dando um pontapé inicial no fortalecimento do bolsonarismo. Se este se fortalecerá com um governo petista, ou se algo pior virá substituí-lo, ninguém quer pagar para ver. Disto isto, é igualmente patético o argumento de quem vota em Lula, para quem não vota, de que "é fazer o jogo do bolsonarismo de quanto pior melhor". Quem disse que com Lula será melhor para os trabalhadores? No entanto, não há pressa quanto a isto, os anos que virão serão mais uma vez o veredito da história.

Enquanto isto, fala-se em esperança nos setores mais abastados dos trabalhadores, na nossa nojenta e sectária artistocracia operária, mas que esperança é esta? O menino dos olhos de ouro da outrora caquética burguesia paulista, Geraldinho, é apenas a ponta deste iceberg grotesco que está por vir. Como reconheceu uma candidata transsexual do PSOL em Porto Alegre, nos seus tempos de PT, a massa era vista apenas como isto, <<massa>> de manobra. Isto foi visto nesta mesma cidade quando o prefeito Sebastião Melo decidiu, com base nas mais atualizadas leis burguesas, suspender o passe-livre dos ônibus da capital gaúcha para que os setores mais pobres da classe trabalhadora não fossem votar. O principal candidato da “oposição” na região, Matheus Gomes, cria do PSTU, jamais pensou em chamar uma rebelião ao estilo Chile, e usou todas as instâncias possíveis e imagináveis do corpus jurídico do Estado burguês para garantir a votação dos mais pobres no seu futuro carrasco. Nem sequer passa pela cabeça o que, certamente, seria entendido como um extremo sectarismo "propor" medidas como pular catracas e o não pagamento coletivo de um transporte que já perdeu cobradores, a sociabilidade e só restou as rodas.

Aqui estamos. Para onde iremos dependerá sobretudo do que iremos fazer com a desilusão massiva dos que hoje são os mais desesperados e críticos eleitores de Lula. Os tempos áureos e dourados que o ex-operário propaga aos 28 cantos do país, são tão idealistas quanto o Brasil que “tem melhorado” e “sem corrupção” de Bolsonaro. Um chute mais ousado sobre o futuro, mas alicerçado em bases materiais da realidade, é que Bolsonaro e Lula não surpreenderiam os mais avisados se estivessem nas mesmas chapas eleitorais. Lula e Alckmin não surpreenderam-nos. Os bolsonaritas mais importantes, como Weintraub e Alexandre Frota, já são “Lula lá”.

Mas e a educação? E os direitos trabalhistas? E a luta contra o fascismo? São as mesmas perguntas que fazemos. Porque estas não foram as pautas de nenhum debate presidencial visto nas grandes emissoras, mas não se enganem sobre isto, pois esta pauta certamente foi a central entre Lula e empresários de alto calibre, bem como nas principais salas de negociatas do país. Assim como foram outrora com Bolsonaro, Temer e Dilma.

Aos marxistas, estes incansáveis garimpadores de força histórica, resta mais uma vez a paciência de que os explorados tirem a lição de mais uma farsa eleitoral, que não caiam no derrotismo que hoje só não é a maior força além da falsa esperança, ainda que ambas andem de mãos dadas. E que em um domingo de novas derrotas, saibamos plantar as nossas vitórias. 

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